Desterro, 26 de julho de 2020


Prezado Machado de Assis


Escrevo essa singela carta para contar-lhe que finalmente deixei o vento circular pelas páginas da minha antiga edição de “Dom Casmurro”. Já havia lido alguns de seus contos e os romances “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Iaiá Garcia”. Este último para um trabalho escolar, portanto, há muitos anos. Tenho aqui em minha casa-biblioteca um exemplar de “Dom Casmurro”. Uma edição de uma coleção do Círculo do Livro que comprei com o dinheiro do trabalho que realizava como office-boy em um escritório de contabilidade. Eu devia ter uns 15-16 anos de idade. Tenho comigo boa parte da coleção chamada “grandes da literatura brasileira”. Parte dela está com meu irmão, outra na casa da minha mãe. Você está comigo, Machado. Não abri mão de você, de seu “Dom Casmurro”.

Mesmo não tendo convivido com muitos livros na minha primeira juventude, nem tido pais leitores, nem muitos livros em casa, por alguma razão a literatura me fascinava. Não lembro o porquê de eu ter comprado “Dom Casmurro”, de eu ter colecionado os “grandes da literatura brasileira”. Deve ter sido pelo desejo de prestar vestibular e este ser um livro muito solicitado. Um pouco, quem sabe, porque os livros me fascinavam como objetos colecionáveis. Estou tentando entender a razão de ter em casa, desde 1986-1987, uma edição nunca lida de “Dom Casmurro”. Jamais folheada. Neste tempo longo morei em diferentes cidades e em muitas casas e “Dom Casmurro” sempre me acompanhou. Ele e mais duas dezenas de livros de literatura. Alguns lidos, outros não. Agora finalmente “Dom Casmurro” pode sentir o ar entre suas páginas levemente amareladas. O toque dos dedos de um leitor o acariciando. Uma edição elegante, em capa dura e lombada dourada. Ele não perdeu seu charme.

Permaneci, Machado, com cada página lida aberta por mais alguns segundos depois de eu já ter encerrado a leitura. Fiz isso para que ar circulasse por cada folha amarelada. Levei o livro à sacada. Aqui venta muito. O livro tomou bastante ar. Guardei alguns sopros entre suas páginas. Permaneci com o livro por mais uns dias sobre a escrivaninha, sobre o sofá, sobre a cama do quarto-escritório do meu bunker durante essa pandemia em que estamos vivendo. Agora ele voltou à estante. Está lá com seus novos ventos, suas anotações à lápis. Passagens ganharam voz, as li em meu Podcast. Demorou, Machado, mas finalmente o livro ventou em mim.

Um abraço,
Leandro Belinaso
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